De toda essa escuridão, tão
cerrada que você tinha a impressão de que não reveria mais seu braço assim que
o esticasse um pouco mais longe do que o ombro, eu só sabia uma coisa, mas isso
aí com absoluta certeza, é que ela continha gigantescas e inúmeras vontades
homicidas.
Algumas pessoas só morrem no
último instante; outras começam e se dedicam a isso com vinte anos de
antecedência e até mais. São os infelizes da terra.
Lola afinal apenas divagava
sobre a felicidade e o otimismo. Como todas as pessoas que estão do lado certo
da vida, este dos privilégios, da saúde, da segurança, e que ainda têm muito
tempo para viver.
Se eu dissesse a Lola o que
pensava de tudo aquilo, ela apenas me tomaria por um monstro e me expulsaria
das derradeiras doçuras de sua intimidade.
Na cama, por exemplo, era um
negócio fantástico e sempre repetíamos a dose e ela nos proporcionava um bocado
de alegria. Em matéria de depravação, era um depravada de primeira. Nessa
culinária aí, a do traseiro, a safadeza, afinal, é como a pimenta num bom
molho, é indispensável e realça o sabor.
Eu acreditava no corpo dela,
mas não acreditava em nada do que dizia.
Quem decreta o que é loucura e
o que não é, afinal?
E assim, a repressão aos
pequenos furtos (mas não aos grandes, repare bem...) se exerce em todas as
latitudes com rigor extremo, não só como meio de defesa social, mas ainda e
sobretudo como uma recomendação severa a todos os pobres coitados para que se
mantenham em seu lugar e em sua casta, sossegadinhos, alegremente conformados
em morrer ao longo dos séculos e indefinidamente de miséria e de fome.
Tinha o vício dos
intelectuais, era fútil. Sabia muitas coisas, esse rapaz, e essas coisas o
embaralhavam. Precisava de um monte de troços para se excitar, se decidir.
O amor é como o álcool,
quanto mais somos fracos e bêbados, mais nos acreditamos fortes e espertos, e
convencidos de nossos direitos.
Não raro me surpreendia, a
mim, por seu tato, e tive de admitir, ao ouvi-la, que em matéria de lorotas eu
não passava de um grosseiro simulador, comparado a ela. Musyne tinha o dom de
pôr seus achados numa certa distância dramática onde tudo se tornava precioso e
penetrante. Nós continuávamos a ser grosseiramente temporários e precisos. Ela
trabalhava no eterno, minha beldade.
Perdemos a maior parte de
nossa juventude por conta das inabilidades.
Esse pânicos passageiros
davam a medida da angustiante futilidade dessas criaturas, ora galinhas
apavoradas, ora carneiros fátuos e conformados. Semelhantes e monstruosas
incongruências são muito adequadas para enojar de uma vez por todas o mais
paciente, o mais tenaz dos sociófilos.
As mulheres sobretudo é que
exigiam espetáculos e eram implacáveis, as filhas da puta, com os amadores
desajeitados.
Não há vaidade inteligente.
Que não nos venham mais
louvar o Egito e os tiranos tártaros. Eles não passavam, esses antigos
amadores, de pequenos vigaristas pretensiosos na arte suprema de arrancar do
animal vertical seu mais belo esforço no batente. Não sabiam, esses primitivos,
chamá-lo de ‘senhor’, o escravo, e fazê-lo votar de vez em quando, nem lhe
pagar o jornal, nem sobretudo levá-lo à guerra, para que passassem suas
paixões.
As ruas, os escritórios, as
lojas estavam inundados de desejos mutilados.
Pareciam bichos muito dóceis,
muito habituados a se entediar.
O que é pior é que a gente
fica pensando como que no dia seguinte vai encontrar força suficiente para
continuar a fazer o que fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que
encontraremos força para essas providências imbecis, esses mil projetos que não
levam a nada, essas tentativas para sair
da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para que
a gente se convença uma vez mais que o destino é invencível, que é preciso cair
bem embaixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre
mais precário, mais sórdido.
Já não temos muita música
dentro de nós para fazer a vida dançar, é isso.
As pessoas se vingam dos
favores que lhes prestamos.
Para que no cérebro de um
babaca o pensamento dê uma voltinha é preciso que lhe aconteçam muitas coisas e
bastante cruéis.
Ela precisava tratar de
encontrar um bom motivo novo para ser infeliz. Não é tão fácil quanto parece.
Só vendo como era robusta e
benfeita, com gosto pelos coitos como poucas fêmeas têm.
Talvez esperasse que os
acontecimentos se esclarecessem antes de escolher para si mesmo uma pose. As
pessoas vão de uma comédia a outra.
O espírito se contenta com
frases. O corpo não é a mesma coisa, é mais exigente, o corpo, precisa de
músculos.
Acabava de encontrar uma
ótima ocasião para um faniquito. Não ia perdê-la.
À medida que se permanece num
lugar, as coisas e as pessoas perdem a compostura, apodrecem e começam a feder
de propósito para você.