quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ANTOINE DE SAINT-ÈXUPERY

Prá quem só conhece Èxupery do Pequeno Príncipe, vejam que coisa que é a

CIDADELA

Sei dessas raças abastardadas que deixaram de escrever os poemas e apenas os lêem, que deixaram de cultivar o solo e passaram a apoiar-se nos escravos.

Aqueles que não trocam nada jamais se tornam coisa alguma.

É preciso olharmos muito tempo para a árvore, para ela nascer também em nós.

A massa é incoerente, puxa em todos os sentidos e anula o esforço criador.

Libertem o homem, e ele criará.

Tudo aquilo que não for ascenção ou passagem não tem sentido nenhum.

Só aprendes a conhecer a Deus no exercício de orações que não obtém resposta. A tua oração, até a morte, é uma dança que danças para comover um deus.

Jamais se chega a alguma parte a não ser na morte.

O amor verdadeiro começa onde não espera mais nada em troca.

Louco, aquele que quebra os dentes contra o passado, bloco de granito terminado.

A vida não é nem simples nem complexa, nem clara nem obscura. Ela é, e está tudo dito.

Só é importante, só pode alimentar poemas verdadeiros a parte da vida que te compromete, que compromete a tua fome e a tua sede, o pão dos teus filhos e a justiça que te for ou não prestada.

Homem é aquele que leva em si qualquer coisa maior do que ele.

Apeteceu-me morrer. E pedi assim a Deus: Dai-me a paz dos estábulos, das coisas arrumadas, das colheitas recolhidas. Deixai-me ser, por me ter acabado de realizar. Estou cansado dos lutos do meu coração. Vim perdendo, um por um, os amigos e os inimigos. Vi uma luz brilhar no meu caminho de ócios tristes. Levo comigo o peso de tesouros inúteis, sei músicas que ninguém compreenderá.

Eu não sou geômetra, sou homem. Um homem que sonha uma vez ou outra com geometria, quando nada mais urgente o governa, como o sono, a fome ou o amor.

E é por isso que as paredes da prisão não podem encerrar aquele que ama. Ele é de um império que não está nas coisas, mas sim no sentido das coisas, e se ri das paredes.

Desde que eu te veja obrigado, que me importa saber se o guarda está dentro ou fora? Se ele hoje está dentro, sei que esteve primeiro fora.

Se não tivesses inimigos, não terias forma nem medida.

No amor não se pensa. O amor é.

Se eles não encontram o sentido das coisas, é porque este não se encontra, cria-se.

O amor que pede é belo, mas o amor que suplica é amor de criado. Vai ter com um médico para ele te curar.

Nunca dês ouvidos àqueles que, no desejo de te servir, te aconselham a renunciar a uma das tuas aspirações. Tu bem sabes qual é a tua vocação, pois a sentes exercer pressão sobre ti. E, se a atraiçoas, é a ti que desfiguras. Mas fica sabendo que a tua verdade se fará lentamente, pois ela é nascimento de árvore e não descoberta de uma fórmula. O tempo é que desempenha o papel mais importante, porque se trata de te tornares outro e de subires uma montanha difícil. Porque o ser novo, que é unidade libertada no meio da confusão das coisas, não se te impõe como a solução de um enigma, mas como um apaziguamento dos litígios e uma cura dos ferimentos. E só virás a conhecer o seu poder, uma vez que ele se tiver realizado. Nada me pareceu tão útil ao homem como o silêncio e a lentidão. Por isso os tenho honrado sempre como deuses por demais esquecidos.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

LIMBO

Pesa pensar
Se o sono vem
Precisava registrar
Resgatar pra outrem o momento.
Pena ficar
Assim num limbo de sentir
Entre o tentar e o entretenimento.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

BUCOWSKI

Mesmo assustando as almas mais sensíveis, aí vai um pouco do velho safado:

Esta noite me sinto envenenado, usado, gasto até o osso. Acho que a multidão, aquela multidão, a Humanidade, que sempre foi difícil pra mim, aquela multidão está ganhando, afinal. Acho que o grande problema é que tudo é uma performance repetida para eles. Não há novidade neles. Nem mesmo o menor dos milagres. São rançosos, bolorentos. Não há emoção. Congelam-se dentro de si mesmos, se enganam, fingindo que estão vivos.

Todos os dias volto do hipódromo apertando o rádio em diferentes estações, procurando música, música decente. Tudo é ruim, insípido, sem vida, sem melodia, indiferente. Mesmo assim, algumas dessas melodias são vendidas aos milhões. É horrível, uma idiotice terrível entrando em jovens cabeças. Eles gostam disso. Dê merda a eles e eles comem. Não conseguem discernir? Não conseguem ouvir? Não sentem a diluição, o mofo?

Gente demais é cuidadosa demais. Estudam, ensinam e fracassam. A convenção apaga suas chamas.

O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até as suas mortes. Não reverenciam suas próprias vidas, cagam em suas vidas. Concentram-se demais em cinema, dinheiro, família. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouví-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer.

Os escritores só gostam de cheirar a própria merda. Sou um desses. Não gosto nem mesmo de falar com escritores, de vê-los ou, pior, de ouvi-los. E o pior é beber com eles, se babam todos, realmente são lamentáveis, parece que estão procurando pela asa da mãe.

Na minha próxima vida quero ser um gato. Dormir 20 horas por dia e esperar ser alimentado. Sentar por aí lambendo meu cu. Os humanos são desgraçados demais, irados demais, obcecados demais.

As mulheres não sabem a que ponto a lascívia as embeleza. Se compararmos duas mulheres de idade e beleza mais ou menos equivalente, uma vivendo no celibato e a outra na libertinagem, veremos como esta última reúne mais brilho e frescor; toda violência contra a natureza desgasta muito mais do que o abuso dos prazeres.

De algum modo, me perdi, os olhos grudados nas pernas dela. Sempre fui de perna. Foi a primeira coisa que vi quando nasci. Mas então eu tentava sair. Desde então, tenho me virado no sentido contrário, e com um azar dos diabos.

Qualquer um que paga dinheiro por uma consulta com o analista só pode ser doido.

Uma cara chata após a outra, parece não ter fim. Uma procissão interminável de idiotas, alguns famosos. Não havia muita alternativa para mim, exceto o escocês.

Gente demais sabia onde eu morava.

Eu me sentia cansado, no corpo e na mente. Queria largar o jogo.

Escutem aqui, companheiros, quando foi a última vez que um de vocês baixou a calcinha de uma mulher?

Os homens, em geral, não vivem nada; só se gastam.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

MARIO QUINTANA

PREPARATIVOS PARA A VIAGEM

Uns vão de guarda-chuva e galochas,
outros arrastam um baú de guardados…
Inúteis precauções!
Mas,
se levares apenas as visões deste lado,
nada te será confiscado:
todo o mundo respeita os sonhos de um ceguinho
- a sua única felicidade!
E os próprios Anjos, esses que fitam eternamente
a face do Senhor…
os próprios Anjos te invejarão.


OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...


AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...


EVOLUÇÃO

O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.