sábado, 13 de fevereiro de 2010

A CASA VELHA


A imagem vai se formando entre as brumas da memória

na casa velha, manhãzinha, mãe debruçada no fogão
a lenha verde estralando, o chio compassado da chaleira
pai bem cedo botara o pé na estrada
ganhar o pão exige madrugar
mãe precisa fazer café, as batatas no braseiro
talvez aprontar o que de comer pro almoço
não deixar os meninos largados à sorte
filhas fugidas cedo, tem que se desdobrar

a água borbulha, respinga na chapa
sem pó na lata, tem que moer mais
as coisas na venda tão pela hora da morte
talvez no domingo aconteça um frango
que faz tempo não dá pra tê-los soltos
as galinhas ciscando pros pintos,
empoleirando de noite na goiabeira
da cozinha o barulho da mãe tapeando a lata
vai ter que dar esse fundinho mesmo
meio barrela, que se há de fazer
casa de pobre não tem luxo
abre a janela de madeira da cozinha
(como todas as da casa)
que dá para o pé de romã
o dia vai se fazendo claro
pode agora apagar o lampião de querosene
Leão e Néli, os vira-latas, bulem com um sapo-montanha no quintal
às vezes somem horas e voltam com algum lagarto ou periá
pegos no terreno baldio do lado
ou nos capoeirões vizinhos
no quarto do sótão se ouve vó escarrando no urinol
depois que rolou da escada passa os dias entre pragas e cismas
ainda não chegou o tempo de escola
muito banho de rio, trás de guacari na toca
camarão e traíra pegos de bacia
correr atrás do caminhão da Max Wilhelm
roubar uma laranjinha e beber escondido na beira do mato
o sol alto no céu diz que é meio-dia
hora misteriosa, de visagem, sombração
mas logo também vai chegar o seu Dorico
com aqueles filesões do refeitório
a tardinha vai passando, melancólica
aquelas tardes são sempre melancólicas
na lembrança da gente
e as imagens vão sumindo nas brumas da memória.

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